O Governo Prisioneiro
Resumo
Ao longo das últimas décadas o papel do Estado e, em particular, as funções do governo têm sofrido significativas alterações, com sucessivos constrangimentos do seu poder decisório à medida que emergiam novos intervenientes. O fenómeno, capaz de alterar o entendimento clássico de estatalidade, é transversal à maioria das democracias ocidentais e embora constitua uma resposta às transformações sociais e económicas ocorridas, tem sido dificilmente acompanhado pela evolução dos modelos de administração pública. Mantém-se, todavia, na esfera exclusiva do Executivo o exercício de poderes na qualidade de órgão superior da admi- nistração pública, abrangendo a responsabilidade pela concretização dos valores que presidem à gestão pública. A tensão entre a maximização da eficiência e a defesa da transparência constitui um desafio tanto ou mais complexo quanto mais densa se torna a teia de relações entre os diversos protagonistas da decisão pública. Procuramos analisar a emergência da partilha de soberania, distinguindo cinco momentos-chave em Portugal, enquadrados por fenómenos reformistas de geografia mais ampla, quer supra- nacional, quer internacional. A União Europeia, o processo de privatizações, a regulação, o controlo financeiro e o Tribunal de Contas, bem como a sociedade civil constituem os intervenientes em destaque. A erosão da ideia clássica de autonomia associada à complexidade da governação atual será retratada, procurando-se demonstrar que a transferência da responsabilidade política deve ser acompanhada da proteção das ferramentas que asseguram a representatividade social na decisão pública e que promovam a justiça social e a equidade, nem sempre compatíveis com a diversidade de legítimos interesses e expectativas dos cidadãos. A transparência dos processos de decisão, a relevância da informação e a colaboração, institucional e com os cidadãos, constituem fios condutores para superação dos obstáculos que exigem uma nova abordagem ao exercício do poder público.
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