A participação portuguesa nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária em 1963: a defesa no Brasil da política ultramarina portuguesa em tempos de descolonização
Resumo
Este artigo visa abordar o relacionamento entre médicos tropicalistas portugueses e brasileiros no contexto da luta pela descolonização dos territórios portugueses em África, tendo como objeto de análise a participação lusitana nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária, ocorridos em setembro de 1963 na cidade do Rio de Janeiro. No início da década de 1960, iniciou-se a guerra contra o domínio colonial português em Angola e Portugal, cada vez mais isolado na ONU, era alvo de pressões internacionais por não reconhecer o princípio de autodeterminação dos povos nas suas colónias. Nesse período também ocorreu um ponto de inflexão importante na postura oficial do Brasil: o pleno apoio à causa ultramarina de Lisboa, manifesto nos anos 1950, cedeu lugar à postura mais crítica diante do colonialismo a partir das presidências de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Todavia, para o regime autoritário de Salazar, que havia elegido o lusotropicalismo de Gilberto Freyre como a base teórica da política externa orientada por Lisboa, o realinhamento do Brasil com Portugal na questão colonial era esperado. Neste contexto, decorreram os Congressos de Medicina Tropical e Malária de 1963. Através do levantamento e da análise de um corpus documental – constituído por trabalhos publicados nos anais dos congressos, jornais da colónia portuguesa domiciliada no Brasil, correspondências e relatórios recebidos pelo Ministério do Ultramar – procuro demonstrar como o contacto entre médicos brasileiros e portugueses contribuiu para que o congresso de 1963, além de importante fórum de debates técnico-científicos, fosse usado, também, como um espaço para promover a “missão civilizadora” que Portugal afirmava desempenhar em África e Ásia, numa altura em que cresciam as críticas contra o colonialismo português. Assim, este artigo original, ao abordar a dimensão do uso político de um congresso médico, visa oferecer um contributo para a historiografia da medicina tropical e para o eixo temático desta edição dos Anais do IHMT – One Health: novas abordagens históricas em contexto de COVID-19.
Downloads
Referências
Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria; Proceedings. General report of the activities. Rio de Janeiro; 1963.
Edmondson L. A África e as regiões em vias de desenvolvimento. In: Mazrui A, Wondji C, editores. História geral da África: África desde 1935. Brasília: Unesco; 2010. p. 1003 – 1051.
Gfntili AM. Colonialismo. In: Bobbio N, Matteuci N, Pasquino G, editores. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília; 1998. p.181-186.
Reis BC. As primeiras décadas de Portugal nas Nações Unidas. Um Estado pária contra a norma da descolonização (1956-1974). In: Jerónimo MB, Pinto AC, editores. Portugal e o fim do colonialismo. Dimensões internacionais. Lisboa: Edições 70; 2014. Posições 4926 – 5831. E-book.
Gonçalves WS. O realismo da fraternidade: Brasil-Portugal. Do tratado de amizade ao caso Delgado. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais; 2003.
United Nations; General Assembly. Plenary meeting 657th. New York; 1957. Available from: https://digitallibrary.un.org/
Castelo C. O modo português de estar no mundo: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Lisboa: Edições Afrontamento; 1999.
Medina J. Gilberto Freyre contestado: o lusotropicalismo criticado nas colónias portuguesas como álibi colonial do salazarismo. Rev. USP. 2000 Mar-Mai; 45: 48-61. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i45p48-61
Leme RSCM. Absurdos e milagres: um estudo sobre a política externa do Lusotropicalismo (1930-1960). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão; 2011.
Lobo EML. Imigração portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec; 2001.
Cervo LA, Bueno C. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; 2010.
Cervo LA, Magalhães JC. Depois das caravelas: relações entre Portugal e Brasil 1808-2000. Brasília: Editora Universidade de Brasília; 2000.
United Nations; Security council resolution 180. New York; 1963. Available from: https://digitallibrary.un.org/
Azevedo JF. A vida do Instituto de Medicina Tropical de setembro de 1943 a dezembro de 1944. Fundo Ministério do Ultramar; 1945 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Azevedo JF. O homem nos trópicos. Aspetos bioecológicos. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar; 1964.
Simpósio luso-brasileiro em Luanda. Revista Médica de Angola. 1963; 4 (15): 3-4.
Governo Geral de Angola. Pasta Congressos de Medicina Tropical – Instituto de Medicina Tropical, 1958-1966. Fundo Ministério do Ultramar; 14 mai. 1963 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Fonseca BLC. O gabinete dos negócios políticos do ministério do ultramar, o Congo-Léopoldville e Angola (1960-1965) [dissertação]. Braga: Universidade do Minho; 2013.
Ministério do Ultramar. Gabinete dos Negócios Políticos. Pasta Congressos de Medicina Tropical - Instituto de Medicina Tropical, 1958-1966. Fundo Ministério do Ultramar; 28 jun. 1963 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Ministério do Ultramar. Direção-Geral de Saúde e Assistência do Ultramar. Pasta Congressos de Medicina Tropical - Instituto de Medicina Tropical, 1958-1966. Fundo Ministério do Ultramar; 23 mai. 1963 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Ministério do Ultramar. Direção-Geral de Saúde e Assistência do Ultramar. Pasta Congressos de Medicina Tropical - Instituto de Medicina Tropical, 1958-1966. Fundo Ministério do Ultramar; 22 out. 1963 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Fourth international congresses on tropical medicine and malaria. Proceedings of the fourth international congresses on tropical medicine and malaria. Washington: Department of State; 1948.
Azevedo JF. Relatório sobre as atividades do Instituto de Medicina Tropical em 1953. Anais do Instituto de Medicina Tropical. 1954; 11 (1): 165-177.
Instituto de Medicina Tropical. Proceedings of the sixth international congresses on tropical medicine and malaria. Lisboa; 1958.
Silva, JR. Correspondência enviada para Exmo. Sr. Ministro do Ultramar. Dr. Prof. Adriano José Alves Moreira. Pasta Congressos de Medicina Tropical - Instituto de Medicina Tropical, 1958-1966. Fundo Ministério do Ultramar; 8 fev. 1962 (Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa).
Azevedo JF. Quarta reunião do comité internacional interino organizador dos sétimos congressos internacionais de medicina tropical e malária; 1963. (Arquivo Histórico-Diplomático, Lisboa).
Wells J. Imperial medicine in a changing world: the fourth international congresses on tropical medicine and malária, 1948. Health & History. 2016; 18 (1): 67-88. Available from: https://doi.org/10.5401/healthhist.18.1.0067
Abranches P. O instituto de higiene e medicina tropical: um século de história 1902-2002. Lisboa: fundação Calouste Gulbenkian; 2002.
Havik PJ. Public health and tropical modernity: the combat against sleeping sickness in Portuguese Guinea, 1945-1975. Hist. Cien. Saúde – Manguinhos. 2014; 21 (2): 641-666. Available from: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v21n2/0104-5970-hcsm-S0104-5970 2014 0050 00 01 3.pdf
Tendeiro J. Estudos sobre simulídeos na Guiné portuguesa. Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Helminthic and Protozoal Infections; 1963 Set. 1-11; Rio de Janeiro; 1963.
Janz GJ, Pires FM, Casaca VMR, Carvalho ACM. Distribuição das parasitoses intestinais em Angola. Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Helminthic and Protozoal Infections; 1963 Set. 1-11; Rio de Janeiro; 1963.
Ferreira AP. Endemia malárica no Timor português. Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Miscellaneous subjects on tropical medicine; 1963 Set. 1-11; Rio de Janeiro; 1963.
Varanda J. Cuidados biomédicos de saúde em Angola e na Companhia de Diamantes de Angola, c.1910-1970. História, Ciência, Saúde – Manguinhos. 2014; 21 (2): 587-608. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-59702014000200008
David JHS, Afonso JR. A luta antileprosa no concelho do Chitato. Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria; Abstracts of the papers. Rio de Janeiro; 1963.
Gerolomo M, Penna MLF. Os primeiros cinco anos da sétima pandemia de cólera no Brasil. Informe epidemiológico do SUS. 1999; 8 (3): 49-58. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731999000300003
Pereira AT. Endemicity of cholera (non occurrence of endemic cholera in Macao). Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Bacterial, mycotic, viral and rickettsial infections; 1963 Set. 1-11; Rio de Janeiro; 1963.
Paulo HHJ. Aqui também é Portugal: a colónia portuguesa do Brasil e o salazarismo [tese]. Coimbra: Universidade de Coimbra; 1997.
Vargas AA. Questões coloniais e identidade imigrante: representações simbólicas e disputas políticas entre portugueses do Rio de Janeiro durante a guerra colonial portuguesa (1961-1962) [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019.
Silva JF. A situação de Portugal ultramarino no âmbito da medicina tropical e malária é das mais privilegiadas [Entrevista concedida a A. Magalhães]. Voz de Portugal, 1963 set. 15.
Actas Oficiales de la Organización Mundial de la Salud. Tercer informe sobre la situación sanitaria Mundial, 1961-1964. Ginebra: Organizacion Mundial de la Salud; 1967.
Portugal Democrático. Portugal mais uma vez expulso. Portugal Democrático, 1963 out. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4740539
Ferreira FSC. Boubas nas províncias portuguesas ultramarinas. Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Bacterial, mycotic, viral and rickettsial infections; 1963 Set. 1-11; Rio de Janeiro; 1963.
Seventh International Congresses on Tropical Medicine and Malaria. Proceedings. Division A – Tropical medicine. Bacterial, mycotic, viral and rickettsial infec- tions. Rio de Janeiro; 1963.
Silva ELFM, Mota A. O instituto de medicina tropical de São Paulo: marcas de sua criação, 1940-1959. Interface (Botucatu). 2020; 24: 1-13. Disponível em: https://doi.org/10.1590/interface.200130.
Lacaz CS. Amizade luso-brasileira. Folha de S. Paulo, 1974 abr. 28. 5º caderno/caderno de domingo.
Amaral I, Costa I, Duarte J, Doria JL, Lobo R. O 1º Congresso Nacional de Medicina Tropical (Lisboa, 1952) e a “missão civilizadora” de Portugal no mundo. Anais do IHMT. 2018; 12: 99-110. Disponível em: https://doi.org/10.25761/anaisihmt.201
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.