A participação portuguesa nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária em 1963: a defesa no Brasil da política ultramarina portuguesa em tempos de descolonização

  • Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva Pesquisador de Pós-Doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e bolsista FAPESP (Processo nº 2023/04027-2, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)
Palavras-chave: Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária, colonialismo, lusotropicalismo, Portugal-Brasil-África, medicina tropical

Resumo

 Este artigo visa abordar o relacionamento entre médicos tropicalistas portugueses e brasileiros no contexto da luta pela descolonização dos territórios portugueses em África, tendo como objeto de análise a participação lusitana nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária, ocorridos em setembro de 1963 na cidade do Rio de Janeiro. No início da década de 1960, iniciou-se a guerra contra o domínio colonial português em Angola e Portugal, cada vez mais isolado na ONU, era alvo de pressões internacionais por não reconhecer o princípio de autodeterminação dos povos nas suas colónias. Nesse período também ocorreu um ponto de inflexão importante na postura oficial do Brasil: o pleno apoio à causa ultramarina de Lisboa, manifesto nos anos 1950, cedeu lugar à postura mais crítica diante do colonialismo a partir das presidências de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Todavia, para o regime autoritário de Salazar, que havia elegido o lusotropicalismo de Gilberto Freyre como a base teórica da política externa orientada por Lisboa, o realinhamento do Brasil com Portugal na questão colonial era esperado. Neste contexto, decorreram os Congressos de Medicina Tropical e Malária de 1963. Através do levantamento e da análise de um corpus documental – constituído por trabalhos publicados nos anais dos congressos, jornais da colónia portuguesa domiciliada no Brasil, correspondências e relatórios recebidos pelo Ministério do Ultramar – procuro demonstrar como o contacto entre médicos brasileiros e portugueses contribuiu para que o congresso de 1963, além de importante fórum de debates técnico-científicos, fosse usado, também, como um espaço para promover a “missão civilizadora” que Portugal afirmava desempenhar em África e Ásia, numa altura em que cresciam as críticas contra o colonialismo português. Assim, este artigo original, ao abordar a dimensão do uso político de um congresso médico, visa oferecer um contributo para a historiografia da medicina tropical e para o eixo temático desta edição dos Anais do IHMT – One Health: novas abordagens históricas em contexto de COVID-19.

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Publicado
2024-05-30
Como Citar
1.
Figueiredo Moura da Silva EL. A participação portuguesa nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária em 1963: a defesa no Brasil da política ultramarina portuguesa em tempos de descolonização. ihmt [Internet]. 30Mai.2024 [citado 15Jul.2024];23(1):108-19. Available from: https://anaisihmt.com/index.php/ihmt/article/view/483