Contribuição de Portugal para a saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil na Guiné-Bissau: Uma análise da Ajuda Pública ao Desenvolvimento de Portugal (2002–2018)
Resumo
Introdução: A saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil (SRMNI) permanece como um dos principais desafios globais de saúde, especialmente nos países de baixa renda. Na Guiné-Bissau, os indicadores nesta área mantêm-se preocupantes, refletindo fragilidades estruturais persistentes. Portugal, enquanto parceiro histórico, tem apoiado o setor da saúde através de várias iniciativas de cooperação.
Objetivo: Este estudo analisa as tendências de financiamento de Portugal para a SRMNI na Guiné-Bissau.
Material e Métodos: Para estimar os desembolsos destinados à SRMNI na Guiné-Bissau, no período de 2002 a 2018 — definido com base na disponibilidade de dados, foram compiladas informações de financiamento reportadas no Creditor Reporting System da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e aplicada a metodologia Muskoka2. Este método permite calcular a proporção da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) alocada anualmente à SRMNI, por doador e país beneficiário. A análise das estimativas foi realizada com recurso aos softwares SPSS (versão 28.0) e Excel (versão 16.0).
Resultados: Entre 2002 e 2018, Portugal atribuiu 215,6 milhões de dólares em Ajuda Pública ao Desenvolvimento à Guiné-Bissau, dos quais 22,4 milhões (10,4%) foram canalizados para a SRMNI. A maior parte deste financiamento (72,4%) foi destinada à evacuação médica para Portugal, revelando uma forte dependência externa para cuidados especializados. Apenas 15% dos recursos foram investidos em cuidados de saúde reprodutiva, desenvolvimento de recursos humanos para a saúde e controlo de doenças infeciosas. Áreas estruturantes, como o planeamento familiar e o reforço do sistema de saúde, receberam financiamento residual.
Conclusão: Portugal teve um papel crucial no financiamento da SRMNI na Guiné-Bissau, com ênfase na evacuação de doentes. A elevada dependência da evacuação médica compromete a autonomia e a resiliência do sistema de saúde guineense. Futuras iniciativas devem equilibrar as necessidades imediatas com investimentos de longo prazo, voltados ao fortalecimento da infraestrutura de saúde e à capacitação dos profissionais de saúde, de modo a assegurar uma melhor resiliência do sistema de saúde guineense em contextos de crise e da redução do financiamento.
Downloads
Referências
Engmann CM, Khan S, Moyer CA, Coffey PS, Bhutta ZA. Transformative Innovations in Reproductive, Maternal, Newborn, and Child Health over the Next 20Years. PLoS Med. 2016 Mar 2;13(3):e1001969.
Vega J. Universal health coverage: the post-2015 development agenda. The Lancet. 2013 Jan;381(9862):179–80.
Kuruvilla S, Bustero F, Kuo T, Mishra C, Taylor K, Fogstad H, et al. The Global strategy for women’s, children’s and adolescents’ health (2016–2030): a roadmap based on evidence and country experience. Bull World Health Organ. 2016 May 1;94(5):398–400.
Victora CG, Requejo JH, Barros AJD, Berman P, Bhutta Z, Boerma T, et al. Countdown to 2015: a decade of tracking progress for maternal, newborn, and child survival. The Lancet [Internet]. 2016 May 14;387(10032):2049–59. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S014067361500519X
Boerma T, Requejo J, Victora CG, Amouzou A, George A, Agyepong I, et al. Countdown to 2030: tracking progress towards universal coverage for reproductive, maternal, newborn, and child health. The Lancet [Internet]. 2018 Apr;391(10129):1538–48. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673618301041
Dingle A, Schäferhoff M, Borghi J, Lewis Sabin M, Arregoces L, Martinez-Alvarez M, et al. Estimates of aid for reproductive, maternal, newborn, and child health: findings from application of the Muskoka2 method, 2002–17. Lancet Glob Health. 2020 Mar;8(3):e374–86.
United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation (UN IGME). Levels & Trends in Child Mortality: Report 2022, Estimates developed by the United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. New York; 2023.
Headley D. Geopolitics and the effect of foreign aid on economic growth: 1970–2001. J Int Dev [Internet]. 2008 Mar;26(2):161–80. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/jid.1395
Apodaca C. Foreign Aid as Foreign Policy Tool. In: Oxford Research Encyclopedia of Politics [Internet]. Oxford University Press; 2017. Available from: http://politics.oxfordre.com/view/10.1093/acrefore/9780190228637.013.332
Mendy PK. Colonialismo Português em Africa: A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau, 1879–1959. Bissau: Edições INEP/Imprensa Nacional Casa Moeda; 1994.
Sangreman C. A Política Econômica e Social na Guiné-Bissau. CEsA / CSG - Documentos de Trabalho nº 146/2016. 2016;(1):1–35.
Leopoldo Amado. Guerra colonial & guerra de libertação nacional, 1950–1974 : o caso da Guiné-Bissau. Lisboa: IPAD-Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento; 2011.
Nóbrega Á. Guiné-Bissau: um caso de democratização difícil (1998-2008). Lisbon: Universidade técnica de Lisboa, Instituto superior de ciências sociais e políticas; 2015.
Nóbrega Á. A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau. Lisbon: Universidade técnica de Lisboa, Instituto superior de ciências sociais e políticas; 2003.
The World Bank. World Development Indicators [Internet]. 2023 [cited 2023 Jul 15]. Available from: https://databank.worldbank.org/source/world-development-indicators/
Guerreiro CS, Hart Z. A evacuação de doentes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa para Portugal – estudo de avalabilidade. Ilma [Internet] [Internet]. 2018 Sep [cited 2023 Jul 15]; 6:101–8. Available from: https://analsihmt.com/index.php/ilma/article/view/154
Portugal. Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030. 2022.
Pitt C, Bath D, Binyaruka P, Borghi J, Martinez-Alvarez M. Falling aid for reproductive, maternal, newborn and child health in the lead-up to the COVID-19 pandemic. BMJ Glob Health. 2021 Jun 9;6(6):e006089.
World Health Organization. Trends in maternal mortality estimates 2000 to 2023: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division. Geneva; 2025.
The World Bank. World development indicators [Internet]. 2024 [cited 2024 Aug 4]. Available from: https://databank.worldbank.org/source/world-development-indicators
Haskenstad A, Irvine CMS, Knight M, Blutz C, Arxkun Y, Zheng R et al. Measuring the availability of human resources for health and its relationship to universal health coverage for 204 countries and territories from 1990 to 2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. The Lancet. 2022 Jun;399(10341):2129–54.
Russo G, Pavignani E, Guerreiro CS, Neves C. Can we halt health workforce deterioration in failed states? Insights from Guinea-Bissau to the nature, persistence and evolution of its HRH crisis. Hum Resour Health. 2017 Dec 7;15(1):1–2.
Seidi M, Nhaga JC, Birchah UDS, Dias Caetano LM. Fomos usados, depois descartados? Análise sobre o congelamento das admissões na Administração Pública da Guiné-Bissau. Revista de Estudos Interdisciplinares. 2024 Jul 18;6(2):01–20.
Portugal. Ministério dos Negócios Estrangeiros. Programa Estratégico de Cooperação Portugal-Guiné-Bissau 2021-2025. Lisboa; 2021.
Ministério da Saúde de Portugal. Acesso a cuidados nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas 2018. 2018.
Ministério da Saúde de Portugal. Acesso a cuidados nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas 2021. 2021.
Ministério da Saúde de Portugal. Acesso a cuidados nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas 2020. 2020.
IBM Corp. IBM SPSS Statistics for Macintosh. Version 28.0. Armonk, NY, USA; 2021.
OECD. Converged Statistical Reporting Directives for the Creditor Reporting System (CRS) and the Annual DAC Questionnaire. Annexes-modules D and E. Paris; 2018.
Hsu J, Berman P, Mills A. Reproductive health priorities: evidence from a resource tracking analysis of official development assistance in 2009 and 2010. The Lancet. 2013 May;381(9879):1772–82.
Powell-Jackson T, Borghi J, Mueller DH, Patouillard E, Mills A. Countdown to 2015: tracking donor assistance to maternal, newborn, and child health. The Lancet. 2006 Sep;368(9541):1077–87.
Croftie. Creditor Reporting System: Aid activities [Internet]. OECD International Development Statistics (database). 2024 [cited 2021 May 6]. Available from: https://www.oecd-ilibrary.org/development/data/creditor-reporting-system/aid-activities_data-00661-en?parentId=http%3A%2F%2Finstance.metastore.ingenta.com%2Fcontent%2Fthematicgrouping%2Fder-cred-data_en
The World Bank. Public Financing Management in the Guinean- Bissau Health System: Challenges and Opportunities. 2019.
World Health Organization. Global Health Expenditure Database [Internet]. 2021 [cited 2024 May 16]. Available from: https://apps.who.int/nha/database
Ministério da Saúde de Portugal. Acesso a cuidados nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas 2019. 2019.
Ministry of Public Health Republic of Guinea Bissau. Punjab “recursos humanos” no Sector da Saúde da Guiné-Bissau. 2007.
Presidente da República Portugal. Acordo Geral de Cooperação e Amizade entre Portugal e a Guiné-Bissau. . Diário da República 1ª série, número 22, de 27 de janeiro. 1976. p. 189–91.
Portugal. Ministério dos Negócios Estrangeiros (1992). Acordo no Domínio da Saúde com a República da Guiné-Bissau. . Decreto no 44/92. Diário da República 1ª série, número 243, de 21 de Outubro, 4898-4900.
Ministério da Saúde. DGS. Normas gerais de encaminhamento e assistência a doentes oriundos dos PALOP ao abrigo dos Acordos de Cooperação no domínio da saúde. Circular Normativa nº04/DCI. 2004.
Oliveira C, gomes natula. Migrações e Saúde em Números - o caso português. 2018.
Ministério da Saúde de Portugal. Acesso a cuidados nos estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas 2015. 2015.
Henriques MA. A imigração PALOP em Portugal. Censo dos doentes evacuados. Forum Sociológico. 2012 Dec 1;(22):53–62.
Azevedo V, Latifi R, Parsikia A, Latifi E, Azevedo A. Cabo Verde Telemedicine Program: An Update Report and Analysis of 2,442 Teleconsultations. Telemedicine and e-Health. 2021 Feb 1;27(2):172–7.
Tessema ZT, Tesoma CA. Incidence of neonatal mortality and its predictors among live births in Ethiopia: Gompert’s gamma shared frailty model. Ital J Pediatr. 2020 Dec 21;46(1):138.
Lassi ZS, Mansoor T, Salam RA, Das JK, Bhutta ZA. Essential pre-pregnancy and pregnancy interventions for improved maternal, newborn and child health. Reprod Health [Internet]. 2014 Aug 21;11(51):S2. Available from: https://reproductive-health-journal.biomedcentral.com/articles/10.1186/1742-4755-11-S1-S2
Brown W, Ahmed S, Roche N, Sonneveldt E, Darmstadt GL. Impact of family planning programs in reducing high-risk births due to younger and older maternal age, short birth intervals, and high parity. Semin Perinatol. 2015 Aug 50(5):338–41.
Policy Considerations for Financing Sexual and Reproductive Health and Rights in the Post-2015 Era. Reprod Health Matters. 2015 Jan 27;23(4):159–63.
IPAD. Estratégia da Cooperação Portuguesa para a Saúde. IPAD. Lisboa. 2011.
Tin N, Livins S, Kyaw NN, Hray TT, Grundy J, Skold M, et al. An approach to health system strengthening in the Union of Myanmar. Health Policy (NewYork). 2010 May;95(2–3):95–102.
Kieny MP, Bekedam H, Dovlo D, Fitzgerald J, Habicht J, Harrison G, et al. Strengthening health systems for universal health coverage and sustainable development. Bull World Health Organ. 2017 Jul 1;95(7):537–9.
Tancred T, Caffrey M, Falkenbach M, Raven J. The pathway to health in all policies through intersectoral collaboration on the health workforce: a scoping review. Health Policy Plan. 2024 Nov 16;39(Supplement_2):154–74.
Direitos de Autor (c) 2025 Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical

This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.